Nos últimos dias, vimos o presidente
(golpista) Temer se pronunciar sobre a falta de democracia na
Venezuela...E não, não é sobre a Venezuela que eu quero falar!
Temer assumiu o governo do país após
orquestrar o impeachment de Dilma Roussef. Apesar de ser vice e de,
inclusive, ter assinado pedalas fiscais, seguiu ileso no processo. As
forças reacionárias do congresso nacional votaram a favor da
derrubada de uma presidente eleita sem que houvesse elemento jurídico
para tal. Escutamos, atônitos, os parlamentares justificarem seus
votos pelo conjunto da obra, por Deus e pelo fim da corrupção. E as
tais pedaladas fiscais, aquelas que serviram apenas de desculpa para
a derrubada do PT do poder, foram liberadas por lei pelo congresso
apenas dois dias após o impeachment
(http://www.jb.com.br/pais/noticias/2016/09/02/apos-impeachment-senado-transforma-pedaladas-fiscais-em-lei/).
Hoje temos um presidente que possui 95% de
rejeição. Mesmo após ser gravado tendo conversas pra lá de
duvidosas com o empresário da JBS, está de pé. Foi blindado. As
malas de dinheiro, as gravações, as delações, nada foi suficiente
para que os “representantes” do povo permitissem que Temer fosse
investigado. Aliás, diante de todos, vimos um presidente comprar
parlamentares com dinheiro público para se safar de possível
condenação.
Se nos governos de Dilma já estávamos sentindo a recessão e o
aumento do desemprego, se as controversas propostas de reformas e de
ajuste fiscal já apareciam, agora o ritmo dessas mudanças é outro.
Como um rolo compressor, vemos, dia a dia, a aprovação de medidas
que esmagam nossos direitos. Em pouco tempo, há retrocessos por
todos os lados. Alguns deles: PEC do teto dos gatos, lei das
terceirizações, reforma trabalhista, PDV para servidores públicos
federais, MP 759
(http://amazonia.org.br/2017/07/temer-anistia-grilagem-de-terras/),
cortes de recursos que afetam a fiscalização do trabalho escravo no
país
(http://g1.globo.com/economia/noticia/fiscalizacao-do-trabalho-escravo-cai-e-verba-do-setor-termina-em-agosto-dizem-entidade-e-sindicato.ghtml),
redução do orçamento das universidades federais
(http://cbn.globoradio.globo.com/especiais/universidades-em-crise/2017/07/10/UNIVERSIDADES-FEDERAIS-DO-PAIS-SO-TEM-DINHEIRO-PARA-PAGAR-CONTAS-ATE-SETEMBRO.htm)
e corte de bolsas de pesquisa
(http://www.anpg.org.br/cnpq-paga-45-menos-bolsas-de-mestrado-e-doutorado-em-2017-comparado-com-2015/).
A próxima tentativa do governo é a reforma da previdência, a sua
principal bandeira. Assistimos na mídia, rotineiramente, a defesa de
que essas ações são necessárias para o progresso do país, mas
não se fala sobre os questionamentos da real existência do déficit
(http://brasildebate.com.br/a-previdencia-social-nao-tem-deficit/)
ou da dívida previdenciária das empresas (http://economia.ig.com.br/2017-02-21/previdencia-social.html).
Os sacrifícios sempre são exigidos dos trabalhadores, enquanto o
lado mais forte continua a sustentar seus privilégios. E mesmo com a
rejeição da maior parte da população, o executivo não recua.
Isso tudo, reforço, representa um projeto político que perdeu nas
urnas em 2014. Essas mudanças tão impactantes são feitas sem levar
em conta o que a sociedade quer. Os parlamentares são, há muito,
representantes de seus próprios interesses. Aliás, representantes
dos interesses econômicos daqueles que os elegeram, através de
doações milionárias de campanha.
Assistimos a tudo meio atordoados, apáticos. A sensação é que não
há luz no fim do túnel. Parece que o sistema foi muito eficiente ao
nos fazer acreditar que não há alternativas. De mãos atadas, não
vemos opção. É preciso construí-la, mas a sensação é que
estagnamos diante de tanta desesperança.
E eu poderia escrever muito mais, pois temos muitas mazelas. Vivemos
em um país de profunda desigualdade social. Existe uma parte do
Brasil que não tem perspectiva alguma em relação ao futuro. Um
país em que a maior parte da população sofre para ter acesso a
serviços básicos de saúde e educação, em que muitos nunca
tiveram a carteira assinada. O mesmo Brasil que sustenta castas como
a do judiciário e a do legislativo, que não têm vergonha de
ostentar seus ganhos astronômicos enquanto a maioria da população
vive em dificuldade. E tem gente que ainda insiste em defender a
meritocracia.
Vivemos em um país em que as leis não são para todos. Alguns falam
em estado democrático de direito, mas pra quem mesmo ele funciona?
Aqui, como diria Humberto Guessinger, uns são mais iguais que os
outros, vide o caso do filho da desembargadora e o de Rafael Braga.
As prisões degradantes encarceram, em sua maioria, negros e pobres.
Assistimos o prefeito da maior cidade do país acordar moradores de
rua com jatos de água. Nas periferias do Rio, um estado que sangra
por causa da corrupção e do descaso, bebês já morrem antes mesmo
de nascer, em meio a uma guerra civil em que não há vencedores. A
violência já não é mais privilégio da periferia, ela invade os
bairros de classe média, toma as ruas. E aquele direito de ir e vir,
existe mesmo? Aliás, e aqueles direitos que estão lá na nossa
constituição, existem mesmo? Pra quem? Temos liberdade e igualdade?
Diante de tudo isso, volto ao início. Temer denunciou a falta de
democracia na Venezuela...mas e a nossa democracia, ela existe?
Aliás, ela um dia já existiu?
Escrito em 09/08/2017