quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Brasil nos olhos de uma criança

Em um domingo como muitos outros fui, junto à minha família, almoçar em um restaurante na praia do cassino, mas nesse dia algo diferente aconteceu. Ao sairmos do restaurante, avistamos três crianças índias vendendo objetos artesanais,o que é muito comum nessa praia na época de verão.Porém, um delas, um menino em especial,me impressionou. Ele era lindo, entretanto, naquele rosto tão jovem já havia marcas de profundo sofrimento. Percebi, ainda, que seu olhar era vazio e que ele possuía uma face triste e cansada. Minha família e eu nos aproximamos e brincamos com ele, mas não houve sequer o esboço de um tímido sorriso.Seus olhos negros, perdidos, cheios de tristeza e de melancolia, denunciavam, apesar da tenra idade, a amargura de alguém sem expectativas quanto ao futuro. Sua vida não era mais a de um garoto, pois já pesava sobre ele responsabilidades muito grandes.

Pude entender naquele momento, enquanto meus olhos tentavam penetrar a alma do menino, que ele era mais uma vítima de um sistema social opressor e individualista. Enquanto existem crianças estudando nos melhores colégios particulares, recebendo de seus pais inúmeros brinquedos caros, outras já trabalham para poder se alimentar. Enquanto nós, muitas vezes, desperdiçamos comida e a jogamos fora, outros correm nos lixos para comer nossos restos. Enquanto uns têm mansões, outros têm como moradia as ruas, as pontes, os viadutos. Enquanto poucos posssuem condições finaceiras para consultar um bom médico particular, muitos morrem nas intermináveis filas do SUS sem receber nenhum tipo de atendimento. Enquanto aquele indiozinho parecia um adulto, ultrapassando a etapa mais bonita da vida, outros aproveitam,intensamente, a infância.

Quando tudo isso irá mudar? Pode soar um tanto utópico e exagerado, mas eu e você, leitor, temos um papel importante e decisivo na tentativa de reverter esse quadro de injustiças sociais: temos o poder do voto, poder para escolhermos políticos com propostas concretas, que sejam autênticos representantes do povo. Além disso, temos o direito e o dever de reivindicar a participação da população nas decisões governamentais e de exigir a implantação de políticas públicas eficazes que garantam maior eqüidade social. Não podemos perder a esperança de um Brasil mais justo, pois somente quando atentarmos para nossa capacidade de transformar através da ação e da contestação e para o imenso poder de nossas vozes, teremos a oportunidade de conseguir um futuro digno para nosso país, em que todos usufruam dos mesmos direitos. Talvez, assim, possamos ver as crianças brincando, estudando, tendo esperanças, sorrindo com um olhar sonhador e brilhante, enfim, vê-las apenas sendo crianças, deixando para trás um Brasil desigual refletido para mim, naquele inesquecível domingo de verão, nos olhos do indiozinho. (Texto redigido em 2008)

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ciclismo em Porto Alegre: uma alternativa possível ( parte 2)

Mas, afinal, o que é o Plano Diretor Cicloviário Integrado?

Na década de 1970, com a crise do petróleo, uma das alternativas encontradas pelo governo federal foi incentivar o uso da bicicleta. O Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes - Geipot – surgido em 1965, deu origem a Empresa Brasileira de Transporte Urbano (EBTU),ambos já extintos. O órgão foi criado com a ajuda do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e fez diversos trabalhos a fim de melhorar o transporte coletivo e de diferentes modais.

Dentro da prefeitura de Porto Alegre, o resultado do incentivo federal foi a elaboração de um plano diretor cicloviário em 1981 pela Secretaria do Planejamento Municipal. Esse trabalho desenvolveu projeto de uma rede com cerca de 160 quilômetros de ciclovia. Previa também a implantação de locais de apoio durante o trajeto, com borracheiro e bomba para calibragem dos pneus, e bicicletários nos pontos de ônibus. Abrangia ciclovias que atendessem a trabalhadores e estudantes, mas também atividades de lazer. Porém, nunca saiu do papel.

Na década de 1990, quando a prefeitura decidiu construir a III Perimetral, entidades de ciclistas e pessoas ligadas ao movimento ecológico pressionaram para que esse projeto incluísse a construção de uma ciclovia, já que o motivo da não implantação era sempre a dificuldade de mudar um ambiente urbano já consolidado. A necessidade de fazer um corredor de ônibus para conseguir verbas de financiamento federais deixou novamente a reivindicação de fora. Só em 1996, pela pressão dos cicloativistas, que o BIRD, financiador da III Perimetral, decidiu incluir no projeto um plano diretor cicloviário. Sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, as tentativas fracassaram. No governo do prefeito José Fogaça, o encargo passou para a secretaria de mobilidade urbana, através da EPTC. E em 2009, o plano cicloviário foi aprovado como lei complementar, parte integrante do plano diretor maior da cidade.

A proposta de 1981 serviu como ponto de partida para a elaboração do atual PDCI, que iniciou em 2005. Um consórcio com três consultorias de trânsito especializadas em transporte foi realizado para fazer sua elaboração. Junto a elas, trabalharam um grupo formado por dois representantes da EPTC, um da área de transporte e outro de trânsito, e membros das secretarias municipais de planejamento, de gestão, de obras e de meio ambiente.

O arquiteto e urbanista da EPTC, Régulo Ferrari, coordenador do PDCI, afirma que a resistência interna era o maior empecilho para a aprovação de um projeto como esse. “Aqui na secretaria dos transportes, o pessoal dizia que Porto Alegre não tem clima propício para andar de bicicleta. Chove muito, é muito frio no inverno, muito quente no verão, e não tem topografia adequada porque tem muita lomba. Um colega em uma viagem pra Alemanha fotografou uma mulher andando de bicicleta rebocando um carrinho de bebê embaixo da neve. O principal mesmo é a resistência das pessoas. Quando se faz uma ciclovia está tirando espaço ou do pedestre ou do automóvel. Nossas ruas são estreitas, nossa estrutura viária é bem ruim, então acho que o principal era isso. Pra gente conseguir fazer alguma coisa é bem difícil.”

A realização do plano contou, primeiramente, com estudos sobre a demanda atual e a projetada, além da indicação das áreas com maior concentração de usuários da bicicleta e do perfil desses. A partir de pesquisa de origem e destino feitas por entrevista domiciliar em 2003, estimou-se que eram realizadas cerca de 15 mil viagens diárias de ida e volta com bicicleta, o que corresponde a 7 mil usuários do modal. Em 2006, outra consultoria fez a atualização dos dados, através do mesmo método, acrescentando a contagem e a entrevista nas ruas, o que totalizou 15 mil ciclistas. O arquiteto salienta,entretanto, que o projeto não foi feito com o objetivo de suprir uma demanda. “A gente não está trabalhando em cima de uma demanda existente , como quando trabalha com transporte coletivo. Estamos fornecendo uma infra-estrutura para que as pessoas possam usar e mais gente passe a optar pela bicicleta.”

Apesar da atual falta de infra-estrutura, o estudo mostrou que existe um crescimento dos deslocamentos com bicicleta. A demanda que usa essa modalidade de transporte para ir ao trabalho é concentrada sobretudo na zona sul e norte e é formada, em sua maioria, por pessoas de baixa renda e nível de instrução que utilizam a bicicleta como alternativa frente ao ônibus. Na orla do Guaíba se concentram os que usam o veículo para lazer ou para treinamento esportivo. E os estudantes de ensino fundamental e médio das escolas públicas da zona norte e sul representam um universo significativo entre os usuários.

A malha cicloviária do PDCI abrange 495 quilômetros, e aponta todos os lugares em que seria viável uma ciclovia. No momento da escolha desses locais, o levado em conta foi a existência de uma rede que, realmente, cobrisse toda a capital. Como no traçado da cidade não existem vias alternativas, as ciclovias são previstas para serem construídas na malha viária principal e somente onde não há corredores de ônibus. Além disso, a EPTC estimou os custos do investimento, que seriam de 250 a 300 mil reais por quilômetro, já considerando a necessidade de possíveis obras de drenagem e de conserto nas vias para que possam receber a infra-estrutura adequada.

Em cima da demanda existente, o grupo responsável pelo plano fez uma projeção por meio de pesquisa de preferência declarada. “ A projeção seria assim: se nós tivermos uma rede que cobre todo o município, que dá para andar com segurança, quantas pessoas poderiam usar daqui a 15 anos - o horizonte do projeto. A gente chegou a conclusão de que dariam umas 300 mil viagens por dia. Em 15 anos multiplicar por 10 essa marca seria excepcional.”

Durante a elaboração do plano se teve a preocupação de saber quais eram os lugares prioritários para colocar a ciclovia e, além de indicá-los, foi incluído um projeto de engenharia para eles. “A Restinga é uma das zonas que já é muito usada a bicicleta e demonstra no futuro que seria mais utilizada ainda. Para selecionar quais ciclovias iam ser feitas primeiro consideramos isso. Foram escolhidas algumas pequenas redes dessa malha que cobre toda a cidade e a gente fez a seleção em cima de uma série de critérios. Um deles é a demanda potencial e na Restinga, assim como na Zona norte, o pessoal usa bastante porque são zonas que é fácil andar de bicicleta. Na Restinga ,especialmente, tem muita via larga e asfaltada, e nós fizemos a ciclovia justamente no lugar onde existem mais acidentes, que é a avenida principal. Ela é mais estreita e já tem o tráfego bem mais intenso.” As outras prioridades são: A Avenida Ipiranga, da orla do Guaíba até a PUC com cerca de sete quilômetros – que deve ser licitada nesse ano - e a Avenida Sertório e Assis Brasil, na zona norte, com 7.800 metros – com a estimativa de término da revisão do projeto para o ano que vem. A da Restinga, já quase terminada, está sendo construída com verbas municipais e as outras duas também serão feitas pelo poder público sem nenhum tipo de financiamento.

Régulo chama atenção para a possibilidade de mudanças nessas escolhas. “A gente tinha idéia, quando encomendamos o trabalho, de ter um plano de prioridades, uma definição de investimentos e a partir daí a gente brigaria, a câmara dos vereadores talvez nos desse força, mas na verdade não é assim que acontece.” Ele salienta que as obras acontecem muito mais por questão de prioridade e, hoje a EPTC já está trabalhando diferente. “A gente vai construindo essa rede aos poucos e determinadas prioridades vão acontecer muito em função do que já foi feito. De repente tem um aumento do número de ciclistas em uma determinada área porque foi feita uma ciclovia, então a gente vai ter necessidade de fazer conexões em função, justamente, do aumento da demanda.” Outra prioridade que tem aparecido é a da Copa, que prevê a instalação de 40 quilômetros de ciclovia até 2014 na Avenida Edvaldo Pereira Paiva.

A lei complementar também define que essas construções, para além do investimento público, poderão ser feitas com parcerias privadas, através de contrapartida ambiental, e trata da exigência de bicicletários em grandes empreendimentos. “ Colocamos na lei, que foi pra câmara dos vereadores, que determinados empreendimentos novos tem que ter uma quantidade de vagas de bicicletas proporcional a de estacionamento de automóveis.” Régulo ainda fala da importância da participação do setor privado. “ É feito um estudo de impacto ambiental quando vai se aprovar empreendimento. Surgiu uma idéia bem interessante, é uma contrapartida pra cidade pela poluição que o estabelecimento está gerando. Pra cada 100 vagas de estacionamento, o empreendimento constrói um quilômetro de ciclovia, que não precisa ser necessariamente próximo onde ele está instalado.” Devido a essa lei, o arquiteto acredita que daqui há alguns anos Porto Alegre conseguirá tirar os projetos do papel. “Mas essas contrapartidas todas são negociadas pelos empreendedores com a prefeitura. Eu espero que da maneira que ficou escrito não seja flexibilizado, mas a gente nunca sabe”, desabafa.

Uma deficiência do projeto é não especificar verbas para a educação. Ao oferecer uma infra-estrutura para o uso da bicicleta, é preciso conscientizar o ciclista sobre as regras de trânsito que deve obedecer. Além disso, é necessário preparar o restante da população para receber a bicicleta no tráfego. Quanto a isso, Régulo afirma que “ deveria prever verbas exclusivas pra educação no trânsito, mas temos um certo vício, somos engenheiros,arquitetos. Nós temos uma série de medidas que precisam ser tomadas a nível de educação de trânsito, conscientização de motorista e pedestre, educação ambiental. Eu imagino que elas vão ser desencadeadas quando ficar pronta a ciclovia da Restinga.”

Outra medida do projeto que está vaga é a construção de bicicletários públicos. Apesar de existir a idéia de se fazer parcerias com o Trensurb e de colocar esses guardadores em lugares estratégicos, como os pontos de ônibus, ainda nada foi definido. Quanto às críticas sobre a localização de algumas ciclovias, Régulo diz que é preciso começar a fazer por partes e isso gera vias que não estão conectadas a lugar nenhum.“Não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo, se olhar o mapa do plano, as que estão sendo feitas estão dentro de uma rede. Se não fizer aos poucos a gente não faz nunca. Foi o que aconteceu, tinha um plano em 1981 e até 2000 e pouco não foi feito nada ainda.”

O presidente da Associação Ciclística da Zona Sul, Paulo Roberto Alves, afirma que a demora na execução do plano é preocupante. “O plano nos contenta, mas ele está muito devagar. A prefeitura deveria fazer pelo menos dez quilômetros de ciclovia por ano. É uma estimativa que nós da associação fizemos para que em 15 anos nós tenhamos 150 quilômetros de ciclovia que liguem todos os bairros de Porto Alegre”. E essa demora ele atribui à falta de vontade política. “Acredito que com mais ciclovias, mais educação de trânsito, mais educação da população pra ver que a bicicleta não é atrapalha o deslocamento, Porto Alegre seria a capital das ciclovias no Brasil, porque tem muita gente que pensa dessa forma. São essas pessoas que estão faltando dentro da política. Teria que ter alguém na política que se comprometesse e levasse essa bandeira até o fim, mas infelizmente, hoje não tem.”

Para ele, o plano diretor, que consiste em 495 quilômetros de ciclovia , é impossível de acontecer. A associação fez um estudo e chegou a conclusão que com os 150 quilômetros já seria possível ligar todos os bairros pelas principais vias. “Talvez desse uma volta maior porque não ia existir aquela ciclovia pra cortar o caminho, mas tu conseguiria sair da zona sul à zona norte somente por ciclovias e isso daria 100% de segurança. Com certeza iria incentivar as pessoas a tirar a bicicleta da garagem e começar a pedalar, ir pro seu serviço, pra sua escola, pra faculdade ou ir no centro comprar alguma coisa, entregar um DVD. Enfim, fazer quase tudo de bicicleta, o que já acontece em muitos países da Europa.”

Muito além de uma infra-estrutura, uma mudança de atitude

Jaime acredita que a falta de infra-estrutura não é o maior empecilho para que a pessoas se tornem usuárias da bicicleta. “Vejo as ciclovias criadas e não utilizadas nos dias reservados aos ciclistas. O que vejo em meu condomínio são algumas bicicletas atiradas e esquecidas no fundo dos boxes, sem utilização pelos proprietários, que para ir à esquina utilizam o automóvel. As crianças utilizam as bicicletas dentro do condomínio. Há necessidade de mudança na maneira de pensar e nos hábitos dos Porto-alegrenses.”

Para o presidente da ACZS, as pessoas precisam refletir sobre qual futuro desejam para a cidade. “Eu acredito que a bicicleta estando na mídia ajuda as pessoas a pelo menos se perguntar se o que estão fazendo é legal, se cada um na casa ter um carro é sustentável. Vai fazer com que as pessoas pensem a respeito de trocar o seu modal. Porque daqui a pouco Porto Alegre vai estar entupida como São Paulo, as pessoas precisam pensar nisso”.

A mudança cultural daqueles que compartilham o trânsito com o ciclista é essencial. Marcos, da Pedala Express, lembra que a pessoa que está pedalando se encontra mais vulnerável em relação ao ambiente externo e é preciso que haja respeito dos usuários de outros modais de transporte. “ Quanto maior é o seu veículo, maior é a sua responsabilidade. Mas esse pensamento não entra na cabeça das pessoas, elas acham que quanto maior o seu veículo, maior o seu poder de persuasão no trânsito e isso está às avessas”. Paulo ressalta: “O motorista tem que aprender a olhar um ciclista. Não adianta só ciclovia e o pessoal continuar ignorante no trânsito, porque no trecho que não tiver vão tentar te fechar, e sempre quem vai levar a pior, mesmo estando certo, é o ciclista, o mais frágil.”

A necessidade de transformação também é urgente por parte de muitos ciclistas. Conhecer os seus deveres dentro do Código Brasileiro de Trânsito é de vital importância para que possam ser respeitados e para evitar acidentes. A inserção da educação por parte dos agentes da EPTC quando se inaugura uma nova ciclovia não pode ser dispensada. “ O ciclista tem que saber que não pode andar na contramão, que precisa respeitar o sinal vermelho,andar próximo ao meio-fio, com capacete, refletores, roupas coloridas para chamar atenção”, salienta Paulo.

O problema da mobilidade urbana, lembra ele, não vai ser resolvido apenas com o fomento ao ciclismo. O prejuízo anual de Porto Alegre com os engarrafamentos é de cerca de 30 milhões de reais, de acordo com a pesquisa da Fundação Dom Cabral do ano passado. A bicicleta é uma alternativa, mas nem sempre a mais viável, por exemplo, quando se pensa em longas distâncias ou em dias de chuva. “É óbvio que precisaria ter um transporte público bom, com bastante ônibus. Todos os dias pegar um ônibus lotado também faz com que tu queira um carro. Ter mais ônibus e mais lotação, acredito que melhoraria bastante e faria com que as pessoas largassem um pouco o carro em casa e utilizassem o transporte público ou a própria bicicleta.”

Com a construção de ciclovias seguras e o incentivo ao uso da bicicleta através da educação para o trânsito e da educação ambiental será possível buscar uma sociedade mais sustentável. Se o número de pessoas que usam esse transporte alternativo aumentar, haverá a diminuição da poluição atmosférica, menos congestionamentos e acidentes graves envolvendo os ciclistas. Mas Paulo, que é também professor de Educação Física, afirma que a bicicleta ainda pode ajudar a melhorar a qualidade de vida e a saúde. Ele salienta que o ciclista é menos estressado. Além disso, ir ao trabalho pedalando, faz com que a pessoa já chegue com o sistema circulatório ativado. O exercício combate ainda a obesidade, proporciona uma melhora cardiovascular e pode até funcionar como fisioterapia.

O arquiteto Régulo acredita que o maior benefício ao oferecer a infra-estrutura para os porto alegrenses poderem optar pela bicicleta é construir uma cidade mais humana. “O objetivo é buscar uma cidade mais sustentável, uma cidade melhor de estar na rua. Muito em função de trânsito ruim, da violência urbana e das próprias condições urbanas, como calçadas ruins de caminhar, nós estamos nos transformando na cidade do automóvel. As cidades crescem, fazem cada vez mais ruas, e cada vez a gente tem que ir mais longe porque não é bom de caminhar e quanto menos gente fica na rua, mais perigosa ela fica. O benefício maior é ter uma cidade boa de viver, uma cidade que seja boa de andar de bicicleta, de caminhar”.

O contato com a paisagem e a observação da natureza é muito maior quando se está de bicicleta do que quando se está dentro de um carro, afirma o presidente da ACZS. “É diferente fazer um passeio de automóvel ou de ônibus, que vai muito mais rápido e não consegue parar. De bicicleta tu para, olha a paisagem, ela te proporciona o contato físico, o contato mais humano, tanto com as próprias pessoas quanto com a paisagem.”

Ciclismo em Porto Alegre: uma alternativa possível ( parte 1)

Vou postar reportagem que fiz em julho sobre o ciclismo na capital gaúcha. São duas partes...aí vai a primeira.


Jaime de Azevedo, de 54 anos, usa a bicicleta como seu principal meio de transporte. Do Bairro Vila Jardim, onde mora, até o seu trabalho, na unidade da Empresa de Correios e Telégrafos da Avenida Sertório, pedala cerca de quatro quilômetros e meio. “Faço exercício diariamente, alguns preferem suar nas diversas academias que vejo pelo caminho. E o tempo de percurso é inferior, se comparado com o tempo dos coletivos entre trajeto e espera”.

Para Marcos Rodrigues e José Paulo Eckert, a bicicleta não é só um meio de transporte , mas uma ferramenta de trabalho. Eles fundaram a Pedala Express. Formada em março desse ano por um grupo de amigos ciclistas, é a única na capital a fazer entregas com a bicicleta, ao invés de utilizar moto.

A empresa faz cerca de 40 entregas diárias e abrange todos os bairros da cidade. Sem ciclovias em todos os trechos que trabalha, o jeito é enfrentar o tráfego junto aos veículos motorizados. “Só tem ciclovias de passeio e não de transporte. Ainda não é uma política de transporte público ter ciclovias em Porto Alegre. Espaço no trânsito não tem, a técnica que se usa é tomar o espaço. Tu tens que tomar a frente do carro, tens que mostrar que estás ali pra o carro te respeitar”, declara José, responsável pela parte administrativa.

Marcos é um dos cinco ciclistas da equipe e afirma que a Pedala Express surgiu para fazer o trabalho ser algo prazeroso. “Quando não estou trabalhando eu uso a bicicleta como meio de transporte, como meio de lazer. Esses dias eu tirei uma folga e fui pedalar pra Zona Sul. Pra mim não é sacrifício nenhum pedalar o dia inteiro trabalhando, isso pra mim é ótimo. Eu comecei pra me divertir, depois surgiu a empresa, que já tem uma questão ambiental forte, porque nós estamos fazendo o serviço de uma moto e deixando de emitir carbono.”

A opção de Jaime e dos donos da Pedala Express parece ser uma boa alternativa para Porto Alegre. Segundo o Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul, Detran, a capital tinha, em maio desse ano, uma frota de 670.394 veículos em circulação, o que representa cerca de um para cada dois habitantes. A Fundação Dom Cabral realizou, em 2009, uma pesquisa sobre mobilidade urbana em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O resultado aponta a capital gaúcha como a que mais aumentou o tempo de congestionamento - 19% em relação ao ano anterior. Os porto - alegrenses perdem cerca de uma hora e dez minutos por dia nos engarrafamentos, que são de 103 metros a cada minuto. Porém, não são só problemas de trânsito, como falta de estacionamento, ruas estreitas, engarrafamentos nos horários de pico. O crescimento da frota gera, também, danos ao meio-ambiente e à saúde.

De acordo com o químico do laboratório de ar da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), Estevão Segalla, os veículos automotivos são os principais causadores da poluição atmosférica do município. “Porto Alegre não tem mais indústria nenhuma praticamente, então se sabe que o grande impactador da qualidade do ar são os carros,utilizando gasolina ou etanol, e o diesel dos ônibus e caminhões.”

A Fepam monitora e faz boletins diários que informam como está a poluição, analisando as quantidades de cinco sustâncias, denominadas parâmetros de qualidade do ar: os gases ozônio, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e material particulado, o que se conhece por poeira. A maior parte desses poluentes é produzida pela combustão e pelo escapamento dos veículos. O material particulado é gerado em sua maioria pela fumaça de caminhões e ônibus.

Apesar de a qualidade do ar na capital estar dentro dos padrões aceitáveis pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, Estevão alerta: “O ar tem se deteriorado por causa da crescente produção de poluentes.” Por outro lado, afirma que as condições meteorológicas colaboram para a situação não ser crítica. “Porto Alegre têm fatores naturais que auxiliam na dispersão dos poluentes, como chuvas e vento.”

O excesso de poluentes prejudica a vegetação da cidade, causando necrose das folhas. Eles também podem gerar estragos em materiais como, por exemplo, a borracha, que fica ressecada e passa a ter menor durabilidade. No entanto, para a Fepam esses não são os maiores prejuízos. “Nossa principal preocupação é com a saúde pública. No inverno, a grande causa de internações hospitalares é a poluição atmosférica. São problemas no trato respiratório, renites alérgicas, bronquites, enfisemas”, enfatiza Estevão. Para, além disso, o ozônio pode também ocasionar dificuldade no aparelho circulatório, pois prejudica o transporte do oxigênio no sangue. Já o monóxido de carbono, ao ser inalado, tira o lugar do oxigênio transportado na corrente sanguínea e forma a carboxiemoglobina, podendo matar por asfixia.

Os prejuízos são incontáveis, mas para os que tentam se livrar do estresse do trânsito através do uso de alternativas mais sustentáveis de transporte, não é fácil se deslocar pelas ruas da cidade. Apesar de nunca ter sofrido nenhum acidente, Jaime denuncia a falta de espaço para os ciclistas. “A bicicleta é o menor e o mais lento veículo na via, a preferência é sempre dos outros (...) A cidade não está preparada para receber o ciclista. Nos cruzamentos, a sinaleira permite conversão para todos os lados e o mais forte passa por cima”.

Estatísticas da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) mostram que ciclistas se envolvem em cerca de 1% do total de acidentes de trânsito em Porto Alegre, considerando a divisão entre automóvel, táxi, lotação, ônibus, caminhão, moto e carroça. Ao analisar os desastres com mortes, a percentagem já era de 3,8 % até o final do mês de maio. Marcos acredita que não há uma política de transporte que pense em alternativas em relação ao carro. “Olha, não me sinto muito seguro andando de bicicleta. É bem difícil, o motorista não está acostumado a dividir o espaço. A gente vive em uma sociedade muito voltada pro automóvel, é o sonho de consumo. A rua é feita pro carro, todo o planejamento é voltado pro carro e os outros meios de transportes ficam marginalizados.”

Por mais valorização e espaço

A associação ciclística da Zona Sul (ACZS) tem lutado constantemente pela garantia desse espaço. Inicialmente - em 1989 – uma reunião de amigos competidores de Mountain Bike que pedalavam juntos, passou a ganhar forma em 1996 com a organização do primeiro evento oficial. A partir daí, o grupo foi crescendo e resolveu trabalhar mais ativamente na educação ambiental e de trânsito.

A equipe de bike educadores, formada por oito membros da diretoria ativa da ACZS desenvolveu um material didático em parceria com a EPTC, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam) e o projeto Vida Urgente. Composta, em sua maioria, por professores de educação física - todos usuários da bicicleta – ministra cursos de trânsito para escolas públicas a partir da quarta série. “A gente dá as dicas básicas de comportamento: atravessar na faixa de segurança, respeitar o sinal vermelho. Principalmente na zona sul, muitos alunos utilizam a bicicleta pra ir até o colégio. Então, a gente fala pra não andar na contramão, pra respeitar o pedestre quando estiver na calçada, enfim, um pouco de cidadania”, explica o presidente Paulo Roberto Alves.

A entidade afirma que auxilia a conscientizar pessoas a pensar que é possível compartilhar o trânsito. “ A gente está desenvolvendo um trabalho para que o pessoal pense que a bicicleta é um meio de transporte totalmente sustentável e que tem sim como ser usado aqui em Porto Alegre.” Através da realização de passeios ciclísticos, tem contato com os usuários da bicicleta e, ao distribuir materiais e dicas de trânsito, tenta mostrar que o modal não precisa ser visto só como meio de lazer. “ Tem muitas pessoas que começaram a pedalar, pegavam a bicicleta, colocavam no carro, iam até o parque, e pedalavam no final de semana, mais para lazer. Hoje a gente já vê que muitos daqueles que nos acompanham desde os primeiros eventos já pedalam até pra ir pro trabalho, pra ir pra faculdade, pra ir para escola”, garante Paulo,

Atualmente, Porto Alegre conta com poucas ciclovias. Em 1993, a cidade desenvolveu a primeira permanente, na Avenida Guaíba, bairro Ipanema, com cerca de 1.500 metros. Aos domingos e feriados, um trecho de 6.500 metros do corredor de ônibus da III Perimetral, entre as Avenidas Ipiranga e Benjamim Constant, e outro de 2.500 metros do corredor da Cascatinha, entre as Avenidas Praia de Belas e José de Alencar, funcionam exclusivamente como rota de bicicletas. Na Avenida Beira-Rio, a Edvaldo Pereira Paiva, há 5.400 metros de ciclofaixa – faixa junto ao trânsito, destinada ao tráfego exclusivo de bicicletas, demarcada na pista por sinalização específica – e aos domingos e feriados ela é também fechada. Há, ainda, a ciclovia Eduardo Schann, inaugurada em novembro de 2008 pelo Barra Shopping devido ao alargamento que o empreendimento fez na Avenida Diário de Notícias. E, por último, está sendo finalizada a construção da ciclofaixa da Avenida João Antônio da Silveira, no bairro Restinga, com quatro quilômetros e meio, fruto do Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI).

Marcos, da Pedala Express, não se sente satisfeito com o que a cidade oferece. “A ciclovia do Barra Shopping é ridícula”, desabafa. “ É uma ciclovia em cima da calçada, com pavimento que se tu anda, pra furar um pneu é uma delícia. Trepida bastante. É de recreação, não é pra quem usa como transporte ou pra quem usa pra treinar. É para o pessoal ir lá no final de semana com os filhos. É ótimo pra isso, mas não resolve um problema de trânsito que seria a necessidade maior de uma ciclovia na nossa cidade.”

“Na realidade nós não temos quase nada.” afirma Paulo. “Nós temos a ciclovia da Diário de Notícias que está no meio do nada. Ela não liga lugar nenhum, porque não tem continuação para nenhum dos lados. A ciclovia de Ipanema, que é mais para o lazer, que também não liga nada, ela teria que ser interligada com outra. Temos os corredores aos finais de semanas e feriados, que é por onde correm os ônibus e só.”

Foi por isso que a ACZS pressionou o poder público e fez parte da elaboração do Plano Diretor Cicloviário Integrado, aprovado como lei complementar pela câmara dos vereadores em 15 de julho de 2009. “A principal causa de as pessoas não andarem de bicicleta é pelo medo de serem atropeladas. Temos poucas ciclovias aqui e não são 100% seguras”, enfatiza o presidente. “Nós fizemos parte do plano diretor cicloviário(...) Nós somos a única associação a fornecer curso para os agentes ciclistas da EPTC. Nós já demos três cursos, desde manutenção básica da bicicleta, pilotagem defensiva e como regular a bicicleta pra cada biotipo. Então, nós estamos bem ativos nessa parte de ajudar o ciclismo aqui em Porto Alegre”, complementa.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Vale a pena conferir o texto da Associação de moradores da Vila Autódromo "Rio de Janeiro: Olimpíadas para todos, sem remoção!" publicado pela Revista Caros Amigos na edição desse mês : http://carosamigos.terra.com.br/. Leitura importante para nos lembrar que as Olímpiadas no Brasil não trarão só alegrias...Claro que esse é apenas um dos inúmeros problemas que um país como o nosso enfrentará para sediar os jogos.

Reflexões...

“Carta capital expõe claramente a sua preferência, ao contrário de quem afirma isenção e eqüidistância para confirmar a aposta na parvoíce da platéia”, afirma o jornalista italiano Mino Carta no editorial da revista dessa semana a respeito da preferência do impresso por Lula frente a Serra. Achei de muito bom gosto. Sinceridade com o leitor e não dissimulação.

Eu comecei a assinar Carta Capital, muito criticada por alguns pelo seu posicionamento mais a esquerda. O fato é que o editorial dessa semana do jornalista Mino Carta fez com que eu passasse a respeitar ainda mais a revista. Além de fazer um jornalismo sério, comprometido com a análise e com o aprofundamento dos temas que se propõe a trabalhar em suas reportagens, não tenta ampliar seu mercado consumidor com o tal ideal picareta de jornalismo imparcial.

Não acredito em jornalismo isento, em mídia imparcial e objetiva, idéias que muitos veículos de comunicação ainda insistem em defender. Não dá pra acreditar nisso e tenho certeza que já foi o tempo em que o público engolia essa máxima. Assim como qualquer indivíduo, o jornalista também tem seus valores e seus princípios. No momento de relatar um fato, fazer uma reportagem, ele não conseguirá se despir de tudo aquilo que constitui o seu caráter e suas crenças para realizar um jornalismo objetivo. Sem falar ainda que, para além de sua subjetividade, o jornalista está submetido à política editorial de uma empresa.

Quando alguém observa um acontecimento, há muito mais que dados factuais. Cada um verá o fato de uma maneira diferente, conforme a sua subjetividade. É claro que com isso não estou defendendo a relativização. Sei que apesar de não existir nenhuma possibilidade de imparcialidade no relato jornalístico, é preciso que haja a busca por isso, chegando-se o mais perto da fidelidade e da objetividade, por que se não vira zona e a incapacidade do total distanciamento se torna uma desculpa para se fazer um jornalismo antiético. Mas esse é outro assunto no qual não vou me deter agora, pois dá muito pano pra manga e daria pra escrever outro texto.
Apesar de eu me simpatizar com a esquerda, confesso que o que me faz assinar essa revista não é isso. O que me fez escolher ela a Veja, Época ou IstoÉ, é a superioridade na qualidade da informação e a sinceridade para com o leitor. Acho que isso dá credibilidade à revista, pois todos que a estiverem lendo já saberão quais são as idéias que ela defende. E o mais importante: isso não a impede de fazer jornalismo. Esse posicionamento não faz com que o foco da revista seja o ataque ferrenho ao tucanato e a puxação de saco de Lula. Até por que nessa mesma edição a revista traz uma reportagem sobre a Bancoop e uma uma forte crítica a Lula com relação à desigualdade de tratamento do governo com as prisões do italiano Cesare Battisti e dos dissidentes cubanos em greve de fome. Acredito que esse seja o caminho para a prática de um jornalismo comprometido com o interesse público, objetivo primeiro da profissão que parece já ter sido esquecido pela maioria dos que a exercem.