quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Desabafo


Hoje, ao sair de casa por volta das nove e meia da manhã, presenciei uma cena que me deixou chocada. Quando passava na Avenida Ipiranga com a Santana, avistei homens da prefeitura em seus macacões azuis retirando os pertences de moradores de rua do canal do arroio Dilúvio e colocando em uma caminhonete, sob a escolta atenta de vários guardas municipais, devidamente fardados e armados. Eram pedaços de papelão, sacos plásticos, sofás velhos, panos que deviam servir de cobertor para a proteção do frio e espumas, que talvez fossem a cama daquelas pessoas que não tem lugar para dormir.

Impotente, a única moradora de rua que vi naquela hora – de aproximadamente 30 anos - perguntava se aqueles homens iriam levá-la dali também e para onde ela iria. Nervosa, ela falava, mas os funcionários continuavam, mecanicamente, a desempenhar sua função e nem eles e nem os guardas pareciam ver o protesto daquela mulher suja e invisível. Mas a mim, eles enxergaram e, quando estava chegando perto do local , abriram espaço para que eu pudesse passar pela calçada.

Foram só alguns segundos que contemplei esse episódio. Além de mim, outros transeuntes paravam para ver o desenrolar da história. Naquele momento, comecei a chorar ao ver a preocupação e o desespero daquela moradora de rua. Aquilo que, para prefeitura, era o lixo que enfeia e suja a cidade, para ela, eram os únicos pertences que possuía. Me indignei ao constatar, mais uma vez, como os problemas sociais são tratados em nossa sociedade capitalista. A prefeitura, ao invés de tentar encontrar meios para minimizar o sofrimento e solucionar a situação degradante em que se encontram os moradores de rua, prefere esconder o lixo que eles juntam – marcas visíveis da presença de uma chaga social.

Na verdade, a prefeitura só está de acordo com um pensamento dominante, só está fazendo o que esperam que ela faça. A maioria das pessoas não tem nenhum interesse em mudar o status quo. Nessas horas, sempre me lembro do sociólogo Zygmunt Bauman que falava que para existir o belo tem que existir o refugo e que, no capitalismo, a exclusão e a marginalidade de alguns é necessária para que os sistema se sustente.

É melhor esconder, é mais confortável fazer de conta que o problema não existe. É preferível tirar aquilo que está estragando a paisagem para longe dos olhos, para que nós, os bem nascidos e bem nutridos, não tenhamos que nos incomodar vendo a cidade suja. Ou para que não sejamos abordados, no caminho para o trabalho ou na sinaleira, por pedintes mal cheirosos e inconvenientes. Infelizmente, é essa a sociedade pós-moderna, onde a hipocrisia é dominante e onde a beleza visual do espaço urbano vale mais que uma vida. Não mais que a vida dos seus membros produtivos, mas mais que a vida dos pobres coitados que estão dormindo nas praças, nas calçadas e até mesmo, no arroio dilúvio.

E o que mais me entristece, é que por mais que eu proteste, por mais que eu denuncie, eu também colaboro para esse estado de coisas. Eu, por mais que me revolte, não tenho como viver fora desse sistema hegemônico, corrupto e injusto, que ao invés de valorizar o homem , só o desumaniza.