quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O melhor trabalho do mundo!

Há pouco mais de um mês, participei de uma seleção da Student  Travel Bureau. Eram oito mil candidatos concorrendo a uma vaga do emprego dos sonhos: viagens para dez países e salário de cinco mil reais. Mal sabia eu que estava prestes a conhecer o melhor trabalho do mundo a poucas quadras de minha casa!



 Na mesma época do processo de seleção da STB -  no qual não fui classificada -  decidi colocar em prática uma vontade antiga: a de reservar algumas horas do meu tempo para ajudar ao próximo. Comentei com um amigo desse desejo e ele me aconselhou a procurar o Instituto do Câncer Infantil - ICI. Procurei o lugar, conheci o funcionameto, participei de uma reunião para novos voluntários e comecei a trabalhar na área de recreação infantil na sede,  todas as quartas-feiras pela manhã. No dia 19 de outubro, foi minha primeira quarta. Ingenuamente, saí de casa pensando que estaria fazendo o bem aos outros, mas foram só alguns instantes naquele lugar para perceber que eu seria a maior beneficiada.  


De cara, conheci quatro crianças lindas. Cauã, de três anos e oito meses, é um menino arteiro. Corre, brinca e nunca se cansa.  Nem parece que foi desenganado pelos médicos por causa de um câncer no cérebro quando era bebê. A imunidade ainda é baixa e na cabeça ficaram as marcas da cirurgia de retirada do tumor. Entretanto, após quimioterapia, radioterapia e  operação, Cauã representa um milagre da vida para a mãe que, com fé, diz sempre ter acreditado na sua recuperação.

Camila, de oito anos, é de Uruguaiana. Morena, cabelos bem compridos, parece uma boneca. Educada, pede para que eu a ajude a colocar músicas no youtube. Aproveito e apresento a ela a turma do balão mágico. Nesse dia, ela iria enfrentar uma bateria de 18 exames para saber se os cinco nódulos que têm próximo ao pescoço são cancerígenos. Diz, determinada, que se precisar fazer quimioterapia irá comprar uma peruca bem bonita.  A mãe, ansiosa, chora por ter medo de perder o segundo filho – o outro morreu de hidrocefalia. As companheiras de luta a consolam, falando em Deus e ela demonstra, apesar da tristeza, confiança.

Guilherme, de dez, teve câncer na coluna e vem de Pelotas desde 2007 para fazer tratamento. Uma parte do tumor não pôde ser retirada, pois havia o risco de ficar paralítico. Por isso, ainda precisa cuidar muito para que a doença não se manifeste. Inteligente, ganha de mim na memória, ensina como devo ligar o videogame e ainda faz piadinhas com isso. Também pede para tirar uma foto comigo. A mãe dele transparece uma força e tranquilidade que me fazem encher os olhos de lágrimas. “Deus nos escolheu para sermos mães dessas crianças. Ele nos deu filhos especiais porque somos mães especiais”, explica para mim e para as outras mulheres.

A quarta criança que conheci no meu primeiro dia de trabalho foi Évelin, de onze anos. Essa não está acompanhada pela mãe, mas, sim, pela avó. Faz tratamento desde um ano e nove meses. Teve câncer entre os pulmões e hoje já está curada. Porém, têm inúmeros problemas respiratórios que precisam ser tratados com cuidado para que a doença não retorne. A vó reclama que a neta faz birra para tomar os remédios. O que percebo é uma pré-adolescente linda, com olhos grandes e verdes, que está cansada de tantos medicamentos e só deseja ter uma vida normal.

Nos outros dois dias, conheci Ágata, de 10 anos, e João Daniel, de 11. A primeira, inquieta, queria saber como funcionavam os brinquedos. A todo tempo, chamava pela “tia” para jogar algo novo ou ajudar a mexer em algum aparelho eletrônico.  É ela quem me dá um presente: um coração pintado com aquarela em uma folha de ofício. “ Venceu uma leucemia. O pior já passou, agora é só acompanhar”, diz a mãe sorridente.

O último é bem moreno e têm lindos olhos verdes Teve câncer em várias partes do corpo, fez duas vezes o tratamento de quimioterapia e é transplantado. Atualmente, está bem. É tão educado que preciso pedir para parar de me chamar de senhora.  Conheci-o hoje, na terceira vez que fui ao ICI, e o nosso encontro foi mais do que especial. Isso porque, ao brincar com João Gabriel com uma espécie de lego, voltei a minha infância. Lembrei-me de quantas vezes eu havia desistido de montar brinquedos e, aos vinte e cinco anos, montei um cachorro e um robô. Também, quando João disse que não conseguia montar, enxerguei nele as minhas dificuldades e, sem pestanejar pude falar: “Você até pode demorar a montar, mas é inteligente. Tenho certeza que se você quiser, vai conseguir”. Falei a ele uma das frases mais difíceis para mim e, com um sorriso discreto, senti-me completamente satisfeita por estar naquele local.

Essas são algumas das experiências que pude viver em apenas três dias de voluntariado. Na sala de recreação – entre brinquedos, livros, televisão, videogames e fantasias – as crianças esperam pela consulta médica no Hospital de Clínicas ou pela hora de retornarem para casa com as vans da prefeitura de suas respectivas cidades. Junto a elas, brinco, dou gargalhas e tento ajudar para que esse momento de espera se torne menos sofrido. Tento, de alguma forma, transmitir o amor de Deus, através de abraços e palavras de carinho. Descubro em mim a criança escondida. Minhas manhãs de quarta se tornam mais doces e divertidas. Sento no chão, jogo e, entre uma brincadeira e outra, procuro dizer o quanto são especiais.

Quanto às mães, pensei que iria levar a elas um pouco de conforto. Para minha surpresa, fui apresentada a mulheres guerreiras que, com certeza, ajudaram-me muito mais. Eu, uma cristã, fiquei envergonhada com minha fé ao ver aquelas mães felizes falando das vitórias que Deus as havia concedido. O cansaço, muitas vezes, está visível em seus rostos, mas não há desânimo capaz de fazê-las parar de lutar.

 Encontrei o melhor trabalho do mundo: o de servir. O que ganho não é dinheiro, são sorrisos. Ganho aprendizados que levarei para sempre.  Ganho  toda a felicidade que está incutida no ato de olhar para o lado, ao invés de focar no próprio umbigo. Aprendo que quando obedecemos ao mandamento de Deus de amar ao próximo, somos os mais presenteados, pois não há melhor maneira  de sermos felizes.  Não sei por quanto tempo trabalharei como voluntária no Instituto do Câncer Infantil, mas sei que quero ter responsabilidades como essa durante toda a minha vida.  E em um papel na parede do meu quarto, coloco os nomes dos meninos e meninas que vou conhecendo para, antes de dormir, interceder a Deus por suas vidas, certa de que foi Ele quem me colocou ali.

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