domingo, 11 de setembro de 2011

Hoje fui reler algumas matérias e me lembrei da entrevista que fiz com o documentarista João Moreira Salles, em junho de 2009, para o Jornal Já. Sei que é velhinha, mas como se trata mais do documentário Notícias de um guerra particular do que de um acontecimento datado, resolvi publicar aqui...


Moreira Salles abre Jornada contra Violência

 

O cinema do Sindicato dos Bancários lotou na noite desta segunda-feira, dia 15. O motivo foi a abertura da Mostra “Imagens da Violência”, com a exibição do documentário Notícias de uma guerra particular, seguido pelo debate com o diretor João Moreira Salles. Ele passou duas horas respondendo as perguntas da platéia, que parecia mais interessada na sua experiência em relatar a realidade dos morros cariocas que no filme.

O evento faz parte da Jornada contra Violência e por Justiça Social – iniciativa de várias entidades que se propõe a refletir sobre a relação entre violência e exclusão social.A jornada vai até o dia 28 e envolve a realização de debates e palestras, além da exibição de filmes brasileiros que tratam do tema.

Notícias de uma guerra particular é um documentário de 56 minutos, dirigido por Moreira Salles e Kátia Lund e exibido pela primeira vez em 1999 como programa de televisão. O trabalho é considerado pioneiro, pois é o primeiro a mostrar tão de perto a guerra da polícia contra o tráfico, vindo após filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite.

“O Notícias nasceu na ilha de edição, não tem roteiro. A motivação para fazer veio da perplexidade minha e da Kátia frente à violência do Rio de Janeiro”, afirma Salles. Na época, a cidade vivia uma situação muito peculiar – um general cuidava da política de segurança do estado e os índices de violência só cresciam. “O documentário foi um testemunho do que acontecia no Rio de Janeiro em 1997/98. A única coisa que sabíamos é que queríamos falar com quem está envolvido diretamente na guerra, ou seja, o traficante, o policial e o morador da favela”, complementa.

Para o diretor, o documentário deve ter um fim em si mesmo. “Acho que o documentário feito para mudar o mundo é um mau documentário. Documentaristas que não sabem e entendem que não sabem tendem a fazer os melhores filmes. Do contrário, você pode fazer um bom panfleto político”, avalia.
Salles declara ainda que o cinema não pode ser feito para defender um ponto de vista ou consertar a realidade. “Documentário não é engenharia social. Eu tendo a dizer que ele tem obrigação para dentro e isso não é uma postura alienante. Muito mais radical o cubismo do Picasso, com a criatividade em representar as dimensões, do que o realismo socialista. E é isso que o documentário faz: vê uma realidade e tenta mostrá-la de maneiras diferentes”.

Durante a conversa com o público, Salles foi constantemente questionado acerca da violência carioca e o modo como a mídia trata do assunto. O cineasta se mostrou desconfortável com o assunto, sempre lembrando que não era um especialista em segurança pública ou um antropólogo, mas somente um documentarista e, como tal, conhece o tema superficialmente.

Sobre as dificuldades encontradas durante a execução do projeto, João ressalta que o mais complicado foi conseguir os depoimentos da polícia, em especial a militar. “Eu queria formulação de pensamentos novos, mas o que eles diziam já era um discurso ideológico pronto, que já havia sido dito em vários outros canais”.

O depoimento do capitão do Bope, Rodrigo Pimentel, foi o mais importante e, talvez, o único que tenha trazido algo novo para o trabalho. “Eu tinha passado o dia inteiro filmando no Bope, tinha pegado o depoimento morto de um coronel, estava guardando os equipamentos, quando uma voz me perguntou se eu já estava indo embora. Eu respondi que sim e ele acrescentou: que bom pra você, porque eu ainda tenho duas favelas pra invadir. Foi a primeira vez que alguém quebrava aquela hierarquia e aquela dureza, mostrando um cansaço. E isso foi suficiente para eu querer entrevistá-lo.”

Ele entrevistou Pimentel cinco minutos depois de conhecê-lo, sem nenhuma preparação. “Isso é o que o Notícias tem de mais poderoso, isso foi o que definiu a identidade. Talvez pela primeira vez Pimentel estava falando aquelas coisas, estava se dando conta do que era o Bope. No início da entrevista ele é alguém que se identifica totalmente com o batalhão, durante a conversa parece que o vidro vai se quebrando.”

Sobre os filmes brasileiros violentos, o documentarista fala que assim como a inflação definia o país
na década de 1980, a violência é o sintoma mais evidente de tudo o que está errado no Brasil. Ele ressalta que houve um certo descontrole em se tratar desse tema. “Sinto falta de um cinema menos explosivo. Tem muita tortura, muito grito, precisava ter mais reticências. As diferenças nunca são negociadas são sempre solucionadas com o tiro. Não se constrói um país com as personagens do cinema brasileiro”.

Jornal Já – Quanto tempo demorou para fazer o documentário?

Moreira Salles - Notícias foi muito rápido. No momento em que a gente pensou em fazer o filme até o primeiro dia de filmagem passaram – se três, quatro semanas. As filmagens também foram em quatro semanas, e aí houve um período que a gente parou e retornou uns seis meses depois, para fazer três ou quatro seqüências. Foi um dos filmes mais rápidos que eu já fiz.

– Como foi conhecer uma realidade tão diferente da tua? O que mudou na tua percepção de mundo?

Moreira Salles
- Sempre muda, né. Qualquer experiência forte na sua vida muda – você não sabe exatamente como muda ou o que mudou. Eu sou antes do filme aquele que não conhecia o traficante, a violência, a favela. Depois do filme, eu sou aquele que sabia o que era o traficante, como ele pensava, porque ele fazia o que fazia, porque a favela era tão violenta. Agora, no que isso me muda, eu não sei te dizer, mas você adquire mais experiências e sempre que você adquire mais experiências você fica um pouco mais…complexo. Sei lá se a palavra é essa.

- Teve alguma cena, algum momento das filmagens que tenha te chocado mais?

Moreira Salles – Não, chocado na verdade não. O que me impressionou muito quando eu fiz o filme foi o descaso com a morte, principalmente dos meninos mais jovens do tráfico. O descaso com sua própria morte. Eles sabiam que iam morrer e era do jogo. É claro que quando você tem 15, 16 anos você pode até achar que você vai morrer e você não sabe direito o que isso significa, porque é uma idéia um pouco abstrata, mas ainda assim, eles falavam da morte com uma tal naturalidade: “eu sei que eu não vou viver mais do que cinco ou seis anos”.

– Tu achas que a violência constante retratada no cinema brasileiro pode banalizar e naturalizar o problema?

Moreira Salles – É difícil, eu não sei fazer essas grandes generalizações. A única coisa que eu acho é que o cinema brasileiro deveria ser mais plural do que ele tem sido. Se a gente só fizesse cinema sobre relações afetivas eu diria a mesma coisa. O problema é um tema só dominar.

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