segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Recordações


Fui hoje, após mais de quatro meses, buscar minhas fotografias de formatura. Já em casa, enquanto procurava um álbum para coloca-las, deparei-me com alguns registros antigos em que, diferente dos atuais, meu avô paterno estava. Quando o vi , forte e saudável, as lágrimas foram inevitáveis. Atualmente, ele anda e fala muito pouco. Doente, empregadas se revezam para cuidá-lo, pois minha avó não têm condições de fazer isso sozinha. Apesar da tristeza, inevitáveis, também, foram as doces lembranças que rechearam minha mente. E é com o intuito de registrá-las que escrevo esse texto.




Enquanto minha avó era "saideira" e falante, ele sempre foi quieto e caseiro. A despeito das diferenças, formaram um casal exemplo de companheirismo. Construíram um relacionamento sólido, baseado no amor e na cumplicidade.  Os frutos dessa união são três filhos e oito netos. Lembro-me que a casa deles era o lugar preferido da infância. Local de reunir os primos, brincar e provar comidas gostosas. Lá, tínhamos o quartinho dos netos e as pastas onde guardávamos nossos desenhos. Na hora em que acordávamos, meu avô trazia o café da manhã na cama para que pudéssemos assistir desenho. Detalhe que tínhamos até copos e pratos especiais: coloridos e feitos de plástico.


Meus avós dedicaram atenção e carinho imensos aos netos. Foi meu avô quem construiu a nossa casa na árvore.  Eu achava genial ter uma, igual as que via nos filmes. Era ele quem nos divertia acendendo fósforo com os dedos do pé ou contando piadas. Orgulhoso, fazia questão de dizer que tinha os netos mais lindos do mundo. Cada vez que entrávamos lá, olhava-nos e registrava essas palavras, sempre com encantamento.


Reservado e quieto, porém, irreverente. Nas fotografias, propositadamente, nunca olhava na direção correta. Com senso-de-humor apurado, era engraçado por natureza, sem ser apelativo. Perspicaz e observador, inventava inúmeros trocadilhos e contava piadas sem rir. Uma das suas marcas registradas foi retirada por intervenção cirúrgica: uma verruga bem no meio da testa.


Terno, paciente, amoroso, inteligente, amigo. Talvez eu não tenha dito para ele, mas, além de tudo,  foi um dos responsáveis pela minha paixão pela escrita. Mesmo sem ter terminado o ensino fundamental,  lia muito e dominava o português. Com a máquina de escrever, estava sempre produzindo. Sabia as regras mais difíceis da gramática. Manejava as palavras com maestria. Fazia lindos poemas e era membro da academia rio-grandina de letras. Foi autor por, aproximadamente, trinta anos da coluna humorística “Pastel: o que é bom já nasce frito” no jornal da cidade.


Quando comecei a fazer meus primeiros rabiscos, pedia sua opinião. Incentivador,  ele mostrava minhas poesias e textos aos amigos ou lia nas reuniões da academia de letras. Se tivesse algum erro gramatical, ensinava-me a regra. Como sabia que eu gostava de ler e de escrever, à medida que fui crescendo, ia me falando curiosidades sobre vírgula, semântica, sintaxe. Conversava, ainda, sobre literatura e jornalismo.


Ficou orgulhoso no momento em que eu disse que seria jornalista. Acompanhou minha mudança de Rio Grande para Porto Alegre. Meus avós investiram no meu sonho. Até hoje, ajudam-me financeiramente. E ao olhar as fotos da minha formatura e não  encontrar meu avô, o coração dói. Queria ter dito o quanto ele influenciou a minha escolha profissional, o quanto foi importante na minha vida. Queria tê-lo por perto naquele momento tão especial. Queria que ainda estivesse com saúde. Ao mesmo tempo, contudo, sinto extrema alegria por ter um avô tão maravilhoso e divertido. Um avô que amou a família e se dedicou a ela e, junto a minha amada avó , deu-me o melhor pai do mundo.

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