Todos os dias, quando Laura passava pela estante da biblioteca da casa, sonhava, no auge dos seus cinco anos, em poder ter acesso àqueles livros e entrar naquele mundo que parecia tão adulto e distante, ainda tão obscuro e enigmático. A menina via o móvel gigante que ficava na sala, e tentava imaginar o que estaria escrito em tantas páginas!
À noite, a hora de dormir era a mais encantadora do dia! Ela ia para a cama e esperava, ansiosamente, para ouvir as histórias lidas pelos pais, tiradas de alguns daqueles livros tão misteriosos. Eram dragões, monstros, fadas, bruxas, reis e rainhas, príncipes e princesas que a transportavam a um mundo de fantasia, distante do real. Uma a uma, as palavras ditas pelos pais provocavam nos pensamentos de Laurinha a construção de um novo cenário, de uma doce imaginação. A cada história, uma descoberta, uma impressionante aventura e, assim, amava ainda mais os livros e nutria um desejo de poder entender todas aquelas letras embaralhadas que, quando fitadas por ela, não possuíam nenhum sentido, mas que, para os pais, eram carregadas de um significado sensacional.
Foi assim que Laurinha se apaixonou pelas letras. Mesmo sem saber ler, ela pegava algum dos livros que ficavam ao alcance de suas mãos e os folhava. Eram horas que passava ali, impregnada pela beleza de um universo que nem ao menos entendia. Curiosa, passou a insistir para que seus pais a ensinassem a decifrar aquele mundo impenetrável, mas eles explicaram que ela precisava completar a idade de ir para a escola.
A partir desse momento, era tudo o que a menina mais queria: ir à escola! Quando o seu primeiro dia de aula chegou, aos sete anos, Laurinha não fez nenhum dos sinais tão característicos desse momento: não chorou, não gritou para voltar pra casa. Pelo contrário, nunca a tinham visto tão radiante quanto nessa hora e ela, também, nunca se sentira tão independente! Iria ficar um turno inteiro sem os pais e o melhor de tudo: iria aprender a decodificar os sinais que apareciam nas páginas dos livros de história que tanto gostava.
Estudava com afinco. Tentava juntar as letrinhas que a professora mandava. Fazia todas as tarefas propostas em sala de aula e, quando menos esperavam, Laurinha começou a ler. Quando conseguiu esse feito pela primeira vez teve a sensação que havia conquistado a liberdade! Placas, nomes de ruas, panfletos, tudo era “devorado” pelos olhos fascinados dela. Os livros infantis, antes só conhecidos através da narração dos pais, agora eram compreendidos. E assim, Laura passava os dias, sentada ao chão em frente a imponente estante da sala, sentindo-se livre para desvendar aqueles segredos sozinha.
Laura também adorou aprender a escrever, pois assim, tinha a sensação de que poderia fazer como os escritores. Descobriu que podia inventar histórias, como as muitas que já havia escutado. Além disso, encontrou nesse hábito a melhor maneira de expressar os sonhos de criança, as descobertas afetivas e os segredos de suas paixões adolescentes. Ela sentia a necessidade de, no papel, expôr os seus sentimentos mais profundos e, aos poucos, passou a sonhar em ser escritora.
Com 17 anos, decidiu cursar letras. Precisava estudar e ler ainda mais, para chegar a realizar o sonho de escrever algum livro que pudesse se juntar àqueles que o pai tinha na estante - o móvel que agora ela já alcançava perfeitamente e que guardava as suas obras preferidas, como as de Flaubert, Balzac, Machado de Assis e Carlos Drummond. Os pais, apreensivos e temerosos de que a filha pudesse se frustar, advertiram -na , dizendo que a trajetória a ser trilhada para ser escritora era penosa . Entretanto, firme em seus propósitos, ela não recuou.
O sonho da menininha tornou-se o mais profundo ideal da mulher. Laura não contava, porém, com os percalços do caminho. Talvez, em meio a tantas lindas histórias de ficção, tivesse voado alto demais. O primeiro livro que escreveu era belíssimo, pena que as editoras, preocupadas com os lucros, procuravam menos pelo inusitado e mais pelo medíocre, o padrão de consumo. Depois de muito tentar vender a obra, desistiu. Como já tinha se formado e estava com o casamento marcado, precisava trabalhar. Então, foi tentar dar aulas de literatura e português. Nas horas vagas, pensava, iria continuar a escrever.
No entanto, para conseguir um salário razoável, Laura passava os dias inteiros dando aula.Ela gostava do que fazia, pois nos momentos que passava com os alunos, conseguia transmitir a eles um pouco do prazer e da importância da escrita. Mas quando chegava em casa, ainda tinha que fazer os planejamentos das próximas atividades. Somente depois disso, é que, enfim, conseguia sentar para tentar escrever, porém, quase não suportava o cansaço.
Depois do casamento, foi ainda mais difícil sobrar tempo. Como o marido trabalhava muito e os dois não tinham condições de pagar uma empregada doméstica, tinham que se virar como podiam para administrar o lar. Com a chegada da filha Lidiane, Laurinha era só felicidade. Amava a família e sentia cada vez mais necessidade de se dedicar à ela. E, assim, os sonhos de menina foram sendo abandonados.
Às vezes, se pegava pensando na velha estante do pai. Fazia um retrospecto e percebia que ser uma famosa escritora estava cada vez mais longe daquilo que vivia. Lembrava do seu livro, que havia se dedicado tanto para produzir, e que nunca fora publicado. Pegava seus escritos de criança e de adolescente e lembra-se do que sempre quis ser. Laurinha só agora se dava conta que o mundo real pode ser bem mais difícil do que a fantasia.
Todavia, com o passar dos anos, ela entendeu que a escrita sempre faria parte da sua vida e que a fama era um mero supérfluo, algo totalmente descartável. Ao olhar os alunos que havia ensinado a ler e a admirar a arte de escrever, o marido e a filha a quem tanto amava e todas as memórias que registrava em seu diário, percebeu que era muito mais que uma escritora ficcional e se tornou plenamente feliz.
Já não fazia a menor diferença o fato de não ter sido autora de um best-seller que tenha marcado época, pois ela havia escrito algo muito mais belo, mais duradouro e mais prazeroso que as ficções: tinha feito a história de sua vida! E melhor: estava contribuindo para melhorar a de seus alunos e, também, esperava para “ler” as aventuras da pequena Lili, a sua mais doce criação.